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Comportamento / Abortp legal

Aborto legal: Grupo de mulheres ajuda brasileiras a abortarem em cidades que aprovaram a legalização

O 'Milhas Pela Vida Das Mulheres' já ajudou mais de 1700 mulheres com suporte financeiro e informações

Máxima Digital Publicado em 18/01/2021, às 14h57

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Aborto legal: Grupo de mulheres ajuda brasileiras a abortarem em cidades que aprovaram a legalização - Divulgação
Aborto legal: Grupo de mulheres ajuda brasileiras a abortarem em cidades que aprovaram a legalização - Divulgação

O aborto no Brasil ainda não é legalizado, mas mulheres continuam abortando.  No final de 2020, a Argentina anunciou que o aborto é legalizado. Contudo, as brasileiras estão atrás do país vizinho.

A interrupção da gravidez em caso de estupro já era autorizada por lá desde 1921. No Brasil, só ocorreu em 1940. O aborto de anencéfalos foi liberado pela Suprema Corte da Argentina em 1995. Por aqui, em 2012, por decisão do Supremo Tribunal Federal.

Pensando nisso, a roteirista e diretora audiovisual Juliana Reis, 57, fundou o grupo Milhas Pela Vida das Mulheres, em setembro de 2019. Da criação do grupo até janeiro de 2021,  cerca de 1.700 mulheres morreram por complicações decorrentes de um aborto clandestino no Brasil, segundo estimativa baseada em dados do Ministério da Saúde.

No site do Milhas, existe uma espécie de placar vai sendo atualizado com números relacionados ao aborto no Brasil, como sobre mortalidade.

O grupo foi criado para ajudar mulheres a viajar para o exterior e interromper, legalmente, uma gravidez indesejada. Foram 1.700 mulheres que queriam interromper a gestação.

O Milhas viabilizou uma viagem para 214 dessas mulheres a outro país ou mesmo no Brasil, para realizar o procedimento legalmente em cidades que oferecem esse serviço. Alguns dos destinhos são México, Colômbia e Argentina, que aprovou a legalização do aborto em 30 de dezembro.

O grupo ajuda com orientações sobre onde e realizar o procedimento, acompanhar a viagem, ainda que à distância, ou mesmo arcar com os custos de passagem, estadia e procedimento em si, cujo valor é de, no mínimo, US$ 700 (cerca de R$ 3.800), segundo Juliana. Os gastos são cobertos por meio de doações.

Mesmo que tenha sido criado em 2019, a ideia surgiu em 2017, quando Juliana conheceu a história da brasileira Rebeca Mendes Silva Leite, que pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) autorização para abortar legalmente por não ter condições econômicas e emocionais para ter um filho. Após o pedido ser negado, Rebeca realizou o procedimento na Colômbia, com o apoio de uma ONG.

"Em maio de 2019, li uma outra notícia sobre uma mulher que queria abortar e fiz outro post, mas dessa vez com 5.000 likes e 1.200 ofertas de milhas", contou para o Universa , ressaltando a mudança na recepção do tema por parte das pessoas ao seu redor. "A diferença de um momento para o outro é que estão baixando o nosso teto", apontou. A falta de avanço é fomentada principalmente pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) sobre as mudanças das regras para aborto no Brasil.

Para Juliana, foi o aumento da pressão contrária ao aborto, portanto, que incitou maior mobilização. E é  pode, na sua opinião, mover o Brasil rumo à flexibilização das leis a partir dos movimentos que apoiam o direito da mulher em decidir sobre gravidez. "A lei que vai descriminalizar o aborto aqui precisa se chamar Damares", falou, referindo-se à ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos.

"Graças a ela chegamos ao nosso limite e percebemos que precisamos reagir. Além disso, há uma América Latina inteira avançando. Criminalizar o aborto começa a virar uma piada.", falou.

Juliana começou a organizar e planejar como a ajuda seria feita depois do início do projeto. Primeiro, colhendo as milhas oferecidas pelos doadores. Depois, passou a receber doações financeiras por meio de sites, como o Benfeitoria, plataforma que reúne projetos de ações sociais para apoio mensal. Até a última sexta-feira, 15, já havia arrecadado R$ 4.500 - a meta do mês é R$ 6.500. O grupo também tem apoio de artistas e estilistas que doam valores referentes a vendas de obras e criações.

As mulheres precisam responder um formulário com questões sobre seu perfil e situação da gravidez ao entrar em contato com o Milhas. A partir dai, ajuda com os custos das viagens varia de acordo com a situação da mulher.

Juliana explicou que, no planejamento inicial, a perspectiva era ajudar 20 mulheres em um ano e meio, mas o número foi dez vezes maior. Desde a criação do grupo, 214 mulheres foram auxiliadas para poder realizar o procedimento. Dessas, 138 foram dentro do Brasil.

"Nos casos previstos pela lei brasileira, também oferecemos esse auxílio financeiro, para garantir o acesso ao direito à escolha. A questão é que muitas delas, quando nos abordam, nem sabem que podem abortar legalmente aqui", disse. Os casos permitidos no Brasil são: gravidez decorrente de estupro, gestação com risco à saúde ou à vida da mulher ou o feto com anencefalia. 

Juliana também falou sobre a primeira viagem de uma mulher atendida pelo Milhas integralmente foi também a primeira vez que ela andou de avião, para a Colômbia. A ajuda de custo foi desde a obtenção do passaporte.

Fora a parte do suporte financeiro, o grupo também presta apoio e dá informações necessárias sobre onde abortar, valores e como proceder. Se for contar também as mulheres acompanhadas por esse tipo de auxílio, já receberam 1.700 pedidos de ajuda.

"Uma das coisas que mais me abalam é me dar conta de quantas delas têm em mim a única interlocutora para tratar do que está acontecendo na vida delas, pois não podem confiar em mais ninguém. Já tivemos muitas pró-vida pedindo socorro", disse Juliana.

Somente em 2021, até o dia 12 de janeiro, o grupo já havia recebido 106 solicitações. São mais de dez por dia, mulheres que estão ansiosas, angustiadas, segundo a fundadora. Inclusive, recebe mensagens de agradecimento e doações para que outras possam ser ajudadas. "Para cada uma que bancamos, outras quatro ou cinco serão amparadas depois.".

Das 76 viagens ao exterior, os países de destino foram Colômbia, México e Argentina. O país argentino, inclusive, antes da legalização do aborto, em dezembro de 2010. Isso porque, como explicou Juliana, a lei na Argentina já permitia, além das mesmas situações autorizadas no Brasil, abortar em caso de risco ao bem-estar físico e psíquico da mulher. O mesmo vale para a Colômbia. "Esse já é um espectro bem mais generoso e acolhedor para as mulheres." No México, a prática é legalizada desde 2007. 

"Temos clínicas parceiras nesses locais, inclusive para cobrar preços mais baixos de uma pessoa que viaje com nossa mediação. Desenvolvemos uma relação de muita proximidade e colaboração", apontou uliana, que celebra a recente decisão do governo argentino de legalizar o aborto.

Com a pandemia de Covid-19, as fronteiras do país estão fechadas:"Ainda não provamos esse exercício pleno da legalidade argentina. Mas já estamos preparando uma operação que não será milhas, mas quilômetros pela vida das mulheres. Vamos organizar viagens de ônibus, pegá-las em suas cidades e viajar para lá.".

Juliana frisou que o Milhas está blindado juridicamente, uma vez que a criminalidade do aborto imposta pelo Estado brasileiro só vale em território nacional. No país, para a gestante, a pena vai de um a três anos. Para uma terceira pessoa que provoca o aborto com o consentimento dela, é de um a quatro anos.

Contudo, se realizado em outro país, a lei deixa de valer e não se configura crime. "Não configura incitação ao crime, isso quem faz é o Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, quando dificulta mulheres a acessar o aborto legal no país, com objeções de consciência e portarias", disse.

"O cardápio do aborto para a mulher brasileira sempre existiu, e desde muito antes do Brasil existir, com práticas de raízes indígenas", explicou Juliana, que fez três abortos durante sua vida. O primeiro aos 19 anos. O segundo aos 29, na França, quando ela já tinha uma filha. "Lá é legalizado, foi reembolsado pelo seguro social, com dias de descanso, é outra experiência", contou. O terceiro aos 39, em uma gestação desejada, ao descobrir que o feto apresentava má-formação.