Máxima
Busca
Facebook MáximaTwitter MáximaInstagram MáximaGoogle News Máxima
Comportamento / Dia da Mulher Negra

Criadora de conteúdo, Luci Gonçalves fala sobre a vivência como mulher negra na internet

Com exclusividade para a Máxima Digital, Luci desabafou sobre seu papel, representatividade e desafios como influencer

Bruna Goularte Publicado em 25/07/2020, às 15h09

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Criadora de conteúdo, Luci Gonçalves falou sobre a sua vivência como mulher negra na internet - Reprodução/ Instagram
Criadora de conteúdo, Luci Gonçalves falou sobre a sua vivência como mulher negra na internet - Reprodução/ Instagram

Datas comemorativas simbolizam importantes lutas e memórias. Neste sábado, 25 de Julho, é celebrado o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Momento de  fortalecer a luta e a união dessas mulheres.

Para as negras brasileiras, a data ainda possui uma dupla importância. No país, é instituído pela Lei nº 12.987, também como o Dia Nacional de Teresa de Benguela, líder quilombola que chefiou um grupo de pessoas negras e indígenas do século XVIII (18). Ela foi um exemplo de liderança por sua organização coletiva. 

Muitos acreditam que o Dia da Mulher já existe em 8 de Março e não seria necessária uma nova data especial para essas mulheres. Contudo, a materialização de suas resistências, violências sofridas e desigualdades é fundamental para um debate mais amplo.

Nos últimos meses, após a morte George Floyd, segurança asfixiado por policiais brancos em uma abordagem em Minneapolis, nos Estados Unidos, o movimento Vidas Negras Importam -  Black Lives Matter - ganhou impulso maior nas ruas e redes sociais de todo o mundo. 

A partir daí, diversos ativistas e influenciadores negros ganharam visibilidade e promoveram conteúdos para mostrarem as suas vozes para o público. A internet, que é vista como a plataforma mais democrática, deveria ser um espaço sem impedimentos para essas novas vozes. Mas, na prática, não é bem isso que acontece.

Pensando nisso, nós da Máxima Digital, resolvemos trazer Luci Gonçalves, uma criadora de conteúdo, para falar sobre representatividade, dificuldades e muito mais. Afinal, sabemos sobre a importância de apresentar as mais variáveis vivências.

Luci é uma jovem de 23 anos do Rio de Janeiro. Possui mais de 125 mil seguidores no Instagram e quase 300 mil inscritos no seu canal do YouTube. Na sua Bio - aquela parte em que nos descrevemos nas redes sociais - ela se descreve como “FashionPobre, favelada, escritora e criadora de conteúdo”. Só que ela é muito mais do que isso. 

Ela começou seu canal para falar de suas experiências com o seu cabelo e transição capilar. Mas, esses assuntos ficaram pequenos para tudo o que ela tinha para dizer e a mudança foi natural e espontânea. 

“Enquanto falava de cabelo, o carro do ovo passava na rua, as crianças da vila gritavam, às vezes tinham tiroteios, ou tinham curiosidade pelo fato de eu ser muito nova e já casada. Então essa curiosidade e identificação foi me fazendo introduzir aos poucos outros assuntos e, por isso a aceitação desses outros assuntos sempre foram gigantescas. Eles pediam pra eu falar e eu, confortável com o assunto, falava”, comentou. 

Mesmo fazendo um conteúdo nas plataformas, o entendimento de que aquilo era uma profissão demorou. O canal existe há 6 anos, a Luci criadora de conteúdo, 3. Tudo isso ser um trabalho, apenas 2. 

“Foi um movimento natural da minha vida compartilhar meus processos na internet. No final eu só precisava falar e ser ouvida, mas não imaginava o quão poderoso eram mulheres negras falando sobre suas vivências”, afirmou para a Máxima.

Por ser um conteúdo que conta sobre sua vida foi fundamental apesar suas intimidades. Luci é mulher, negra, bissexual, gorda e periférica. Características que apresentam recortes e particularidades. Entretanto, não foram essas barreiras que a impediram de produzir material atrativo para seu público, mas justamente, o que a aproxima deles.

“A naturalidade é um dos pilares mais importantes. Meu trabalho na internet se transformou muito com um incômodo meu, entendendo como as redes sociais podiam ser tóxicas também com tamanha falta de espontaneidade e um certo medo de mostrar quem somos de verdade. Quanto mais eu mostro minha real essência, as coisas que me diferem dos outros, a minha realidade, mais eu atraio e conquisto esse público que não se vê mais nessas "vidas perfeitas do Instagram". No final as pessoas se sentem próximas, acolhidas e entendidas. A gente fala sobre vida, sobre altos e baixos, alegrias e tristezas, dores e delícias de ser quem somos. Isso cria um elo e atrai”, explicou.

Falando nisso, a própria inspiração vem de mulheres reais. E isso não é exagero. Luci afirmou que seus exemplos são mulheres que fizeram e fazem parte de sua vida. Desde vizinhas, amigas, tias, avós - todas aquelas que ensinaram coisas valiosas durante sua história.

E analisou: “Olho pros seus rostos e sinto vontade de viver tanto quanto elas e deixar algo no mundo como elas deixaram. Meu processo de criação vem do simples fato de viver. Eu vivo muito. Às vezes me perco na minha própria vida e nos acontecimentos”.

Se expôr para tanta gente nem sempre é tarefa fácil, mas a influencer faz terapia, organiza tudo para ver quais processos internos estão finalizados ou perto de serem finalizados, para então dividir com o público. Todo seu conteúdo para por essa análise visando sua saúde mental. Intensa em tudo o que faz, ela disse que aprendeu, e continua aprendendo, com seus erros e acertos: ”Costumo dizer que essa última parte também é terapêutica. Falar e ser ouvida por tanta gente”.

Muito disse se reflete na sua construção de autoestima como mulher e influencer. Luci explicou que ainda é um processo em sua vida. Do mesmo jeito que seu público sofre com falta de representatividade nas redes sociais, ela também sente essa falta seu meio de trabalho. 

“As diferenças são enormes, as faltas de oportunidades também. Isso deixa a gente pra baixo, faz a gente até desacreditar no próprio trabalho. Mas hoje conto com uma equipe incrível que faz de tudo pra gente mudar esse cenário”, enalteceu. 

Outro ponto destaque é a sua rede de apoio de amizade e público serem tão presentes. “Ter ótimas amigas de trabalho também formou uma rede segura ao meu redor pra que possamos falar sobre isso, naturalizar nossas rotinas e se entender na outra. Meu público também me ajuda muito sempre pontuando o que mais gosta ou aonde preciso melhorar. Autoestima não é algo pronto e sinto que sempre estarei nessa estrada, mas tem sido mais leve e bonito de se vê”, agradeceu.

Só que nem tudo são flores. Mesmo com um nicho fiel, ainda teve que enfrentar os comentários negativos em seu perfil. Além disso, foi preciso enfrentar um outro esteriótipo como mulher negra: a de que aguenta tudo.

“Todos os assuntos que abordo e do jeito que abordo, acredito ter poucos haters. Mas desde o começo eu impus um limite bem grande nas minhas redes sociais. Sempre me coloquei como uma pessoa que está atrás da câmera, e isso é complicado, porque às vezes ainda acham que somos robôs. Eu leio e sinto tudo o que escrevem pra mim, então precisam saber disso antes de escreverem qualquer coisa. E dependendo do que você escreva, eu terei uma reação, porque essa é a vida e isso não vai mudar porque estamos na internet. Internet não é terra de ninguém - muito menos as minhas redes sociais. Então eu costumo responder algumas coisas pra sempre impor esse limite e mostrar que eu não aguento tudo não”, disse.

Luci, acredita que seu papel de importância como criadora de conteúdo é muito além do que apenas na explicação de termos envolvendo a negritude como, muitas vezes, esperam. 

Em um desabafo forte e necessário, ela afirmou que representatividade importa e ser vista como tal:  “Você não vê mulheres como eu por aí vivendo. Vivendo mesmo. Você vê mulheres como eu sobrevivendo a tudo de ruim que nos é imposto pelo lugar que ocupamos nessa sociedade. Eu não tenho referência de mulheres como eu mais velhas, saudáveis e felizes. Com muitas experiências legais de vida. Então eu quero te mostrar que mulheres como eu podem e estão vivendo. Quero mostrar pra todas essas pessoas que me seguem até que elas naturalizem mulheres como eu vivas, e conscientes de que estão vivas. Mulheres como eu em busca da saúde, do autoconhecimento. Meu papel de importância como criadora de conteúdo é primeiro mostrar que mulheres como eu existem, e quebrar tudo o que criaram de preconceito em cima de nós”.

Em 2019, Luci fez parte de dois projetos das próprias plataformas, o YouTubeBlackBrasil, evento que reuniu os maiores influenciadores negros do site, e da exposição “Corpos Livres”, parceira do Instagram com o fotógrafo Bob Wolferson, que trazia influenciadores gordas para tratar o assunto body positive à tona e naturalização de seus corpos.

O mais incrível foi saber que por meio de políticas inclusivas nessas empresas, muitas mulheres negras trabalham lá estão em cargos de poder, e foram essas mesmas mulheres, suas seguidoras de anos, que a indicaram para o projeto. “Essas mulheres que me colocaram em ações, me fizeram ganhar dinheiro, acreditaram em mim e mudaram minha vida. Isso é mudar a pirâmide, isso que acontece quando se dá oportunidades para mulheres negras”, lembrou.

Para finalizar, Luci deixou um incetivo para todas as meninas fora dos padrões que desejam tornar-se criadoras de conteúdo e transmitiram uma mensagem e um propósito: “Fale. Conte sua história. Alguém lá fora precisa de você contando sua história pra começar a contar a dela também. Assim ninguém nunca mais vai falar por nós. Assim ninguém nunca mais vai apagar quem fomos e o que deixamos. Estamos mudando estruturas”.