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Comportamento / Representatividade asiática

MÊS DA MULHER: Força, luta e conquistas! Ana Hikari explica a importância da representatividade asiática na mídia

Em um bate-papo exclusivo com a MÁXIMA DIGITAL, a atriz falou sobre o padrão estético imposto pela sociedade, os “nãos” recebidos na carreira e a influência para outras meninas

Gabriele Salyna Publicado em 18/03/2021, às 14h59

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MÊS DA MULHER: Ana Hikari explica a importância da representatividade asiática na mídia - Instagram
MÊS DA MULHER: Ana Hikari explica a importância da representatividade asiática na mídia - Instagram

Ana Hikari é um marco histórico para a televisão brasileira. A jovem atriz foi a primeira protagonista asiática a estrelar uma grande obra da dramaturgia.

A estrela foi conhecida pelos olhos do público em 2017, quando interpretou Cristina Yamada, conhecida como Tina, em Malhação: Viva a Diferença.

Esse foi um dos passos que as mulheres asiáticas ou com descendência asiática, como é o caso de Ana, enfrentam para mudar o padrão estético imposto pela sociedade.

Em uma conversa exclusiva com a MÁXIMA DIGITAL, a atriz explicou a importância da representatividade amarela na mídia.

Ana contou como foi o processo para dar vida à protagonista da novela jovem: “Eu sempre vi esse lugar com muita responsabilidade. Quando eu assinei o contrato com a Globo, eu não sabia que eu ia ser protagonista e eu nem imaginava. Eu nunca tinha visto uma protagonista de descendência asiática na tv, então eu não imaginava que ia ser eu. Eu não tinha nem noção.”.

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A atriz revelou que esse era um passo importante na história: “Para mim, quando eu comecei a entender que isso estava acontecendo, que era um marco, que era uma coisa relevante historicamente para a tv brasileira, eu comecei a entender isso como uma responsabilidade. Eu me senti um pouco com a responsabilidade de abrir caminhos para pessoas como eu. Esse lugar da mídia e da representatividade ainda falta muito para a gente percorrer. Foi um passinho que eu dei, mas eu tinha que encarar isso com muita responsabilidade. Meu passo não era só meu, era de muitas pessoas juntas.”.

E deu certo! Ana contou que recebeu várias mensagens de mulheres que se identificavam com ela: “Recebia muitas mensagens de meninas que se identificavam comigo pela questão de descendência e que ficavam muito felizes de verem que eu estava ali naquele espaço e que ele poderia ser um espaço delas.”.  

Ela explicou como é o sentimento de uma mulher que não se vê representada nas mídias: “A gente passa muito tempo olhando para certos lugares que não nos identificamos, com isso, acabamos acreditando que aquele espaço não é para nós. Por muito tempo, eu olhava para a televisão, para a mídia em geral, e eu não via ninguém parecida comigo ou, quando via, era uma pessoa ou outra, ou personagens muito estereotipados, então eu não me sentia representada. Para eu estar lá, eu precisaria servir de piada? É muito triste! Eu não me sentia representada ali. Quando eu comecei a trabalhar e recebi essas mensagens, eu fiquei muito feliz. Eu vi que minha personagem estava sendo mais fiel à realidade de pessoas brasileiras com descendência asiática e que meu papel como pessoa pública estava levantando discussões que representavam esse grupo de pessoas também.”.

Sobre os “nãos” na carreira, ela contou que deu de cara com uma série de situações desagradáveis.

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“Sim e não. Eu sempre trabalhei com teatro e, infelizmente, a arte no Brasil é muito desvalorizado. Eu passei muito tempo trabalhando em lugares para bancar minha carreira de atriz. Eu trabalhei em lojas, bares e publicidade. Na publicidade, eu faria muitos testes. Quando era testes que eu era chamada por gênero e idade, eu nunca passava, então eu sempre recebia não. Uma mulher de maneira genérica nunca poderia ser uma mulher não branca. Para esses testes, era muito raro eu ser chamada, porque as pessoas não conseguiam imaginar que uma mulher comum poderia ser uma mulher não branca. Eu ficava sabendo que as minhas amigas eram chamadas e eu nunca era. Eu só era chamada quando descrito que eram mulheres asiáticas ou mulheres de todas as etnias, que era eu, uma negra e uma ruiva.”, contou.  

Ana disse que, em vários testes, existe uma seleção racial: “Soa até absurdo, explicado que são todas as etnias. Porque não pode ser um teste mulheres de 20 anos e chamam todas? Por que quando é dito que são todas as etnias só temos essas?”.

“Durante a minha carreira, a maioria dos não acontecia antes mesmo de eu fazer o teste. Já acontecia quando estavam discutindo na decisão de quem seria o elenco. Os ‘nãos’ que as pessoas não branca recebem vem muito antes do teste. É sobre oportunidade, o não vem pela falta oportunidade.”, revelou.

Para Ana, ainda falta representatividade na mídia: ”Seguindo essa lógica da representatividade e da falta dela, eu passei a minha vida inteira olhando para tv, mídia, publicidade e vendo que esses lugares ditam o que é o padrão de beleza para a sociedade. Olhar para esses espaços que ditam o que é bonito e não me ver, não ver ninguém parecido comigo é como dizer que eu não existo e eu não estou dentro desse padrão de beleza. Eu passei muito tempo achando que eu era feia, eu pensava que se eu não fosse dentro desse padrão, eu não seria aceita.”.

“É muito complicado porque vai trazendo uma serie de consequências para a gente tanto quanto pessoa, quanto para pessoa racializada.”, disse.

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A atriz falou que a pressão estética existe para todas as mulheres, mas é ainda maior quando a questão envolve diferentes fenótipos: “A pressão estética se aplica para todas as mulheres nesse mundo patriarcal, a gente tem que entender que se aplica a todas. A partir do momento que se aplica à essa ausência de representatividade, para pessoas racializadas, essa pressão estética se potencializa. Porque, além da gente se cobrar de estar dentro do padrão estético, a gente passa a se cobrar de estar em um lugar que é inalcançável para a gente.”.

Ana abriu um capítulo particular de sua vida. Ela contou que chegou a cogitar fazer uma cirurgia estética para ser aceita na sociedade: “Não basta a gente ser magra, ter cabelo loiro, usar lente se o nosso fenótipo não é mutável. Eu achava que eu deveria fazer aquela cirurgia que consiste em fazer a dobrinha do côncavo dos olhos, porque isso foi imposto que a característica principal que diferencia um olho asiático de um olho ocidental é essa dobrinha. Durante a minha adolescência, eu falava para a minha mãe que eu queria fazer essa cirurgia para ficar mais bonita.”.

“A minha etnia é imutável, eu não tenho como mudar minha origem. É imposto pela sociedade que a minha etnia é bonita.”, afirmou.

“Os meus olhos, as pessoas acham exótico, que é uma maneira pejorativa de falar que é bonita. As pessoas me elogiavam assim: ‘Até que você é bonita para uma japonesa’. Ou seja, a pessoa japonesa não é bonita. A pressão estética delimita e potencializa essas questões do racismo, ela vai me colocando sempre como o outro, o exótico, o diferente. A minha beleza nunca é uma beleza, ela é exótica, diferenciada.”.

Ela falou sobre as cobranças físicas: “Eu também tenho cobranças em relações ao meu corpo e ainda mais com a racialização. É muito difícil, porque não tem como eu mudar o que eu sou. Alguma coisa tem que mudar, porque eu tenho que me odiar ou o mundo tem que mudar essa visão.”.

“No meu olho, ele é exotico, mas quando vem uma cirurgia para alongar e puxar os olhos, com efeito cirúrgico ou com maquiagem e uma pessoa branca faz, fica bonito.”, pontuou.  

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Sobre a generalização, Ana explicou: “As pessoas tendem a colocar todos os asiáticos como um grupo só, eles não enxergam nossas individualidades, nossas origens. Esses processos de agrupamento, de retirar nossas características pessoais, é um processo de preconceito racial, porque é como reduzir todas as pessoas a como se fossem uma só. A predominância japonesa tem uma questão histórica, as pessoas tendem a lembrar sempre Japão, mas ignoram as outras descendências.”.

“No meu caso, eu sou uma mistura de etnias, me reduzir a japa é ignorar também minha outra descendência. E o fato de que eu sou brasileira, porque eu nasci aqui, sou filha de pai e mãe brasileiros.”, disse.

Ana disse que acredita que o padrão estético imposto pela sociedade prejudica a saúde mental das mulheres e, ainda mais, de mulheres asiáticas: “Eu acho que as pressões estéticas em geral já colocam as mulheres em uma busca inalcançável por um padrão de perfeição. As redes sociais e a mídia potencializam isso. Do ponto de vista de uma mulher amarela, é muito mais forte quando a nossa identidade é suprimida de todas as maneiras. Não só por estarmos fora do padrão de beleza imposta, mas também o de raça. Como que a gente vive num país que tem essa diversidade de etnias e, ao mesmo tempo, não contempla essa diversidade quando vai falar de beleza, representatividade, quando vai estampar capa de revista?”.

“A gente tem que ter a consciência de que as opressões se somam e se potencializam, à medida em que você está inserida em um grupo de minoria dentro dessa sociedade. Ser mulher já é muito difícil e ser uma mulher racializada é ainda mais difícil.”, explicou.

A atriz disse que têm noção de que essa representatividade ainda é muito rasa: “Eu tenho consciência de que eu tenho um lugar de visibilidade, mas porque o meu corpo é aceito? Porque eu tenho um corpo mais padrão, porque a pele é mais clara? Temos várias questões que podemos discutir. Um corpo racializado é aceito sempre que ele estiver dentro de um critério de beleza. A representatividade aparece só ‘até a página 2’, porque seria corpos diversos, com todas as etnias.”.

E o que a Ana de hoje diria para a Ana do passado? A atriz respondeu: “Eu precisei falar para ela o que eu gostaria de falar agora, porque se eu não tivesse me falado isso, talvez eu não estivesse aqui hoje . Acredite nas coisas que você faz, no que você ama e no que você trabalha. Só se apegando nas coisas que você ama que você vai conquistar algo maior”.

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Ela contou que segue um conselho de sua avó: “Eu me apego muito a uma coisa que a minha vó sempre me disse. Ela tinha muito dinheiro para dar presente para os netos. Ela dava sempre uma caneta, nas datas, porque era a coisa mais barata pra presentear. Ela falava que a coisa que não tiravam da gente é o conhecimento. Eu me apeguei muito a isso. Eu me apeguei as meus estudos. Se hoje em dia eu tenho essa consciência, é porque eu fui estudar e eu fui buscar.”.

“Vou me apegar aos meus estudos, porque com isso eu vou conquistar o meu lugar.”, revelou que esse foi seu pensamento na época.

Para as meninas que se inspiram nela, Ana deixou uma mensagem de carinho, força e incentivo: “Não desistam, porque a gente está transformando, aos poucos, eu sei, mas a gente não pode deixar de comemorar as conquistas que já foram feitas. Ainda tem muito o que melhorar, mas precisamos ter esperança.”.