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Comportamento / Dia Internacional dos Povos Indígenas

Mulheres protagonizam a luta pelo movimento indígena: "Luta coletiva que nos fortalece a cada dia", diz líder Pataxó

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, Thyara Pataxó fala sobre a resistência e luta de mulheres indígenas

Bruna Goularte Publicado em 09/08/2020, às 10h20

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No Dia Internacional dos Povos Indígenas, a primeira Marcha das Mulheres Indígenas completa um ano de resistência e luta - Reprodução/ Instagram
No Dia Internacional dos Povos Indígenas, a primeira Marcha das Mulheres Indígenas completa um ano de resistência e luta - Reprodução/ Instagram

Neste domingo, 9 de agosto, é celebrado o  Dia Internacional dos Povos Indígenas. Sim, no Brasil existe o Dia do Índio, 19 de abril, mas essa data internacional é uma conquista para as nações indígenas do mundo inteiro.

Na semana da comemoração, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que o Governo Bolsonaro deveria proteger os povos indígenas contra COVID-19 e invasão de terras. 

De acordo com Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que propôs a ação em conjunto com seis partidos políticos, são mais de 21 mil casos de indígenas contaminados por coronavírus e mais de 600 óbitos, espalhados entre 148 povos. O presidente era contrário à manutenção do suporte aos povos originários, por não haver previsão orçamentária para as medidas.

Ainda neste domingo, a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas: “TERRITÓRIO: NOSSO CORPO, NOSSO ESPÍRITO” completou um ano de realização. Foram cinco dias de debates e manifestações em Brasília, com representantes de mais de 130 povos indígenas do país.

Neles, essas mulheres denunciaram a violência de que são vítimas e apontaram o machismo como “mais uma epidemia trazida pelos europeus” e defenderam que, no combate a essas mazelas, as especificidades da organização social dos povos indígenas sejam observadas.

Sabendo da importância do debate e da luta das mulheres indígenas, nós, da Máxima Digital, conversamos com Thyara Pataxó, líder indígena da etnia Pataxó, para sobre representatividade, resistência, luta, dificuldades e muito mais.

A Marcha aconteceu levantando uma onda de bravura. Mais de 2 mil mulheres indígenas se reuniram para mostrar a força do corpo e do espírito. 

“A Marcha teve um papel significativo em poder dar voz a nós, mulheres indígenas. O movimento sempre foi representado por grandes Guerreiros indígenas, nós mulheres, por mais que sempre estamos a frente da luta pela terra, pela vida, pelo ar, pela preservação da natureza, ainda sofremos com a invisibilidade. A marcha não foi um ato de mostrar superioridade aos nossos Guerreiros, mas sim, mostrar que vamos sempre andar lado a lado”, analisou Thyara.

O movimento indígena no Brasil é diferenciado do demais. Principalmente enquanto a forma de organização. O que prevalece são: o respeito para com outros parentes, de união e nunca, jamais individual. A coletividade faz parte da sua identidade: “Nosso movimento é movido pelos interesses em comum, seja dos parentes mais próximos ou dos que moram lá no Acre. A nossa luta sempre foi pelo território, pela cultura, por nossa língua, mas agora, temos como prioridade a cura da nossa mãe natureza. Ela estar adoecendo e se nós, não nos unirmos em favor dela, todos irão morrer”, afirmou a líder Pataxó.

“Somos diversos em línguas, povos, costumes, culinária, mas quando o assunto são povos indígenas, todos nós falamos e lutamos por uma causa só. Essa luta coletiva que nos fortalece a cada dia”, analisou. 

A repercussão e impacto foi ainda maior para os não indígenas que “de alguma forma, puderam ver e perceber a força que nós temos. A marcha quebrou muitas barreiras, alcançou o mundo, deu voz feminina ao movimento e fortaleceu a necessidade de termos mais mulheres ocupando espaços”, falou Thyara.

A ocupação de espaços por indígenas é voz e não apagamento de suas origens. Nas universidades brasileiras, teve um aumento de 620% desde 2009, mas foi potencializada após a instituição da Lei de Cotas, em 2012. Thyara é uma dessas mulheres. Ela é graduanda em agroecologia pela UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e entrou através da política de cotas. 

“A união entre os movimentos e povos indígenas é uma questão que evidentemente fortalece nossa luta. Esse fortalecimento nos leva a ocupar espaços que na história foi negado, e que ainda tentam nos impedir de ocupar. Na medida em que nós ocupamos esses espaços, fica evidente também que os detentores do poder nesse sistema (que vai de contra nosso modo de viver e pensar) ficam incomodados e em muitos casos com medo”, ressaltou.

Contudo, essa iniciativa nem sempre foi fácil para as mulheres: “Por muito tempo ficamos com medo de sair de nossas aldeias e encarar o mundo. Isso fez com que nossas antepassadas se privassem de adquirir conhecimentos e independência. Com o passar dos anos, fomos tomando dimensão de tudo o que podemos fazer e ser, sem deixar de ser quem somos. E, além disso, a necessidade de ocupar esses espaços é pela garantia de nossos direitos, é pela garantia de nossas vidas. Hoje temos muitas mulheres graduadas, mestras e doutoras representando o nosso povo dentro e fora do país, para nós, isso é motivo de orgulho, pois só nós sabemos as dificuldades, preconceitos e racismos que enfrentamos quando saímos de nossas aldeias para adquirir conhecimentos e dar o retorno as nossas comunidades”.

Ela também ressaltou sobre como resistência auxiliou o momento atual: “É importante frisar, que nada disso estaria acontecendo se não fosse pela persistência de nossos antepassados, que derramaram sangue, passaram fome e lutaram para garantia desses direitos e espaços ocupados”.

São mais de 520 anos que os povos indígenas resistem no país. Em 2020, além de suas terras, os povos precisam lutar contra a pandemia do coronavírus. O Brasil já ultrapassou os 100 mil mortos da doença e o cenário é extremamente trágico para os indígenas.Não conseguiram apagar nossas memórias até agora, não irão conseguir nos apagar da história do país. Povos indígenas resiste e existe”, confirmou Thyara.

As invasões em terras indígenas têm avançado durante o governo de Jair Bolsonaro. O presidente da República tem demonstrado apoio para mineradores, agro-empresários e outros interessados na exploração e desses territórios. Na pandemia, a situação se acentuou com a chegada da COVID-19 às aldeias indígenas.

“Nós indígenas temos em mente que o presidente é apenas uma pessoa representante de um sistema que é muito maior que ele, a verdadeira luta indígena é contra esse sistema que nega nossas origens e nossa cultura”, relatou.

E acrescentou: “Resistimos a genocídio, estupros, catequese, mortes, pestes, ao Serviço de Proteção ao Índio, doenças, preconceito, racismo, omissão do estado, e a política integracionista da FUNAI, não será a fala do atual presidente que irá nos desestabilizar. A fala dele é apenas mais uma ameaça, a nossa força é coletiva, e somada é incontável. Os espíritos de nossos encantados nos guia e nos fortalece sempre, nossa luta irá persistir até o último indígena”. 

A maternidade indígena também é um ponto a ser debatido. Afinal, ser mãe indígena é ter a responsabilidade de ensinar aos filhos que nem sempre a realidade será a que eles conhecem. Além de requer muito conhecimento ancestral, pois é baseado nas histórias de luta e resistência que criam seus filhos para também serem protetores e guardiões da cultura. “Cabe a nós, mães indígenas, a responsabilidade de transformar nossas crianças em guardiões da floresta, da língua, da cultura, da educação. Nós geramos vidas, nossos corpos são sagrados, nosso útero acolhe luta e resistência”, ressaltou.

Segundo ela, indígenas não escolhem ser fortes, isso é uma condição que já é imposta a nós, desde o nosso nascimento.

Para o futuro, Thyara sabe muito bem o que quer e espera: “Quero deixar a meus filhos e as próximas gerações indígenas, que futuramente vai estar lutando pelas causas, como eu estou lutando agora, o mesmo legado que meus ancestrais me deixaram: o de respeitar nossos parentes, tal como respeitar todos os elementos e seres da natureza, o legado de lutar pela manutenção de nossas culturas tradicionais e pelo respeito aos nossos sagrados. Sobretudo, o legado de cuidar dessa grande mãe que nos protege e não nos deixa faltar nada, a mãe terra”.

A luta das mulheres indígenas também possui outro debate: a sexualização de seus corpos e a fetichização. Os índios cultuam a figura feminina como um ser sagrado, a linhagem familiar das comunidades parte de uma base matriarcal, diferentemente da sociedade ocidental, que negam essa cosmovisão. 

“Hoje temos reflexos de violência e desrespeito as mulheres indígenas em muitas comunidades tradicionais, mas é importante salientar que esses reflexos são frutos da influência colonial, e que hoje muitas mulheres não indígenas usam nossos adereços sagrados para sensualizar, exibir o corpo, não entendem que tudo o que usamos é sagrado. A apropriação cultural estar sendo uma batalha que enfrentamos todos os dias, nosso papel é desconstruir e conscientizar não indígenas sobre algumas atitudes erradas deles e a sexualização é uma delas”, apontou Thyara.

Assim, os não indígenas têm um papel perante o movimento indígena: o de respeito a diversidade de cada povo e história do Brasil - não aquela dos livros, mas que os povos indígenas contam com a sua voz e luta. Para além do apoio a causa, as atitudes podem ir desde contribuições financeiras a associações e comunidades indígenas até contribuições de divulgação de conteúdos relacionados aos ataques sofridos.

“Torna-se evidente cada vez mais a necessidade de pessoas não indígenas se posicionarem sobre a difícil situação em que se encontra o movimento indígena atualmente. Podem fortalecer essa linha de comunicação e articulação de mulheres indígenas do Brasil que a cada dia que passa se torna mais forte e tende a ter cada vez mais desafios pra se manter”, finalizou Thyara Pataxó.

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Uma fotinha minha, pq tenho muito orgulho de quem sou, e como batalhei pra ser!❤️

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