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LGBT / MEMÓRIA

Uma travesti que sempre canta em casamentos e formaturas

Talento da diva Sylvester James atravessa gerações e ainda ecoa grito de liberdade e respeito

Ezatamentchy Publicado em 09/05/2024, às 12h28

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O que podia uma travesti negra nos anos 70 e 80 não era muito, mas Sylvester esticou a corda - Reprodução
O que podia uma travesti negra nos anos 70 e 80 não era muito, mas Sylvester esticou a corda - Reprodução
Você sabia que tem uma travesti que canta em quase todos os casamentos, em quase todas as formaturas? Que enquanto sua tia desce até o chão com o vestido de crepe cheio de aplicação de pedraria e seu tio amarra a gravata na cabeça, enquanto isso, uma travesti negra babadeira está lá, no ar, cantando, colocando todo mundo pra dançar há pelo menos 50 anos.
Sylvester James (Los Angeles, 6 de setembro de 1947 — São Francisco, 16 de dezembro de 1988)  é o nome dela. “You Make Me Feel (Mighty Real)” é o hit que atravessou décadas compondo toda boa playlist dançante que se preze – hétero ou não. Porque um dos maiores poderes que essa maravilhosa carrega – mesmo estando em outro plano – é justamente transpor fronteiras, ser um ponto de exceção no padrão.
Fez uma transição acompanhada pelo público, pela mídia, ainda em uma época onde o assunto era quase folclore – os meios para transacionar, as tecnologias, tratamentos, não eram tão variados. Mas vencer desafios como a transfobia era uma potência sylvestrina tão grande quanto sua voz.
Adorava cantar em falsete e é a dona de músicas super-hiper-mega dançantes. Aquele hit dos casamentos e formaturas é apenas um deles, serve como ponta de um delicioso iceberg de faixas que a modernidade da internet colocou online. É para se perder, dar o play, esquecer qualquer ordem estabelecida – na playlist e na vida.
O que podia uma travesti negra nos anos 70 e 80 não era muito, mas Sylvester esticou a corda, ampliou a perspectiva e hoje é considerada uma das mais importantes artistas de sua época. Essencial para a disco music, referência para as travestis, prova cabal do poder que felizmente vinha crescendo na comunidade afro-americana.
Sylvester mudou de palco espiritual em 16 de dezembro de 1988
Um orgulho de suas raízes refletido em capas de disco que são, até hoje, verdadeiras obras de arte. Traduzem a exuberância e os traços marcantes de uma personalidade que destoava da ainda muito branca e cis indústria da música.
Mas um perigo deste sucesso todo em torno de hits para dançar como “You Make” (número 1 da Billboard club hits) e as perfeitas “Don’t Stop”, “Stars”, “Trouble In Paradise” e “Won’t You Let Me Love You”, além da safadinha “Do You Wanna Funk?”, esse burburinho disco esconde uma face ainda mais elogiável de Sylvester: suas músicas mais lentas, com doses maiores de sentimento e generosas pitadas de interpretação.
Quando ela canta sem o compromisso do “dance, vadia!” é magnanimidade. É aquele tipo de obra-prima que nenhum tempo pode apagar, nenhuma época pode diminuir. Está lá, como exemplo de força vocal, como padrão de entrega ao microfone. Ouça “I Need Somebody To Love Tonight” e tente resistir. Impossível.
Sylvester mudou de palco espiritual em 16 de dezembro de 1988, aos 41 anos, em decorrência da Aids. “Eu não acredito que a Aids seja ira de Deus. As pessoas têm a tendência de culpar Deus por tudo”, dizia.
Por Ezatamentchy