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LGBT / STREAMING

"Mad About You" e o que precisamos aprender sobre relacionamentos

Como uma série dos anos 90 pode servir para construir a autoestima gay e ensinar o segredo do relacionamento a dois

Ezatamentchy Publicado em 12/06/2024, às 12h42

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É a fronteira final de um relacionamento, como já adianta a música de abertura, “Final Frontier” - Divulgação
É a fronteira final de um relacionamento, como já adianta a música de abertura, “Final Frontier” - Divulgação
Por Hélio Filho

Quem me dera ter entendido “Mad About You” na primeira vez em que eu assisti, dublada na Globo e na Bandeirantes lá nos anos 90. Tanta coisa boba nunca teria existido. O grande segredo de um relacionamento saudável ali revelado e eu, aos 8, 9 anos não alcançava. É a vida, é o tempo e é o charme de cada idade. Mas nunca é tarde e eu, por puro saudosismo típico de capricorniano, voltei a assistir – tem completa na Globoplay.

Eu sempre adorei a Helen Hunt, desde “Dançando na TV”, um filme de 1985 com ela e a Sarah Jessica Parker que lá em casa a gente via à exaustão (tempos de locadora de vídeo, a gente via várias vezes a mesma coisa porque as opções eram limitadas). Quando eu fucei na Globoplay para procurar “Amor à Vida”, a novela, dei de cara com “Mad About You” e a Marjorie Estiano ficou de próxima da fila.
Em um resumo bem de capa de VHS, dá para dizer que a série é sobre um casal que mora em Nova York – Paul (Paul Reiser) e Jamie (Helen) – e fala sobre as delícias e nem tão delícias assim de ir morar junto. É a fronteira final de um relacionamento, como já adianta a música de abertura, “Final Frontier”. Mães, pais, o cachorro Murray, amigos e irmãs completam o elenco – que ao longo de oito temporadas recebe convidados ilustres como Cyndi Lauper e Helen DeGeneres.

Aí chegamos a um ponto importante. Para quem está pensando que são dois dos nomes mais LGBT+ da década de 1990, sim, são. E não à toa. Pulando esse resumo ali de cima bem que não diz nada, a gente pode partir para o que interessa: “Mad About You”, por ser uma sitcom, comédia de situações, planta várias sementes muito importantes que em 2020 são flores reais. Equidade de gênero, luta contra a homofobia, ambientalismo, feminismo…
Cyndi Lauper se torna uma condessa riquíssima na série
Basta dizer que Paul e Jamie são um casal onde não há alguém mais forte, dominante. Na verdade, é ela na maioria do tempo, trazendo a imagem de uma mulher de sucesso no trabalho, profissionalmente disputada, bem remunerada, que usa sacolas de pano para ir às compras e ajudar a salvar o planeta e ainda dispara, de uma forma natural ainda embrionária nos anos 90, que acha triste gays não poderem amar.

Um casal que poderia morar em qualquer parte da cidade, mas vive na Rua 12, na parte da cidade conhecida pela frequência LGBT até hoje, inclusive. Logo no começo da primeira temporada, em 1992, uma Parada do Orgulho LGBT+ impede que os dois saiam de casa. Mas em nenhum momento esse impedimento é mostrado como ruim, ninguém reclama. Pelo contrário, Jamie lamenta que alguém precise ir às ruas para garantir o direito de dizer que ama outro alguém. Além disso, uma familiar bem próxima do casal se assume lésbica.

Equilíbrio
Não existe o homem sair de casa para trabalhar e a mulher cuidar do lar. Os dois trabalham. Não existe colocar o compromisso do marido antes do compromisso da esposa, ambos os compromissos são importantes. Ambas as carreiras profissionais são igualmente importantes. Como os sentimentos. Os dois sentem e os dois precisam entender o outro.

Porque a gente está falando aqui de uma coisa muito séria que acontece com alguns (não vou generalizar) de nós quando somos ainda bichinhas novinhas. A gente está descobrindo o mundo da paixão, em uma idade onde – uns mais e outros menos – todos buscam por algum tipo de aceitação. E a gente nesta idade ainda não sabe que a principal delas é a AUTOaceitação.

Então pode acontecer de ali pelos 15, 16 anos (isso varia, óbvio) a gente conhecer alguém um pouco mais velho, mas mais esperto o bastante para tirar proveito dessa diferença. Infelizmente, não esperto o bastante para se reconhecer como uma bicha machista. São esses caras que fazem você acreditar que eles estão sempre em primeiro lugar – só anos depois a gente descobre que não pode ser uma disputa.
O tempo passa, o casal continua (em revival de 2019)

São esses caras que têm um ranço de “ativo manda e passivo obedece” porque não sentem seu machismo estrutural – ou sentem. E quando a gente vê um seriado de 28 anos atrás mostrando um casal heterossexual equilibrado (nesta disputa, porque eles são deliciosamente doidos), a gente se pergunta porque ainda passamos por situações de sujeição – não a sujeição fetichista, esclareço. A sujeição perniciosa, uma dominação perigosa.

Uma sujeição que pode nos tornar artificiais. E o que “Mad Abou You” pode te ensinar – se você ainda não leu Freud, Nietzsche ou Nelson Rodrigues – é que todo mundo tem defeitos, manias, neuroses, estranhezas. Quando nos sujeitamos a ser quem o outro quer dentro de um relacionamento nos perdemos de imediato. Poucos conseguem manter satisfação encenando um papel o tempo todo.

Paul e Jamie são normais (“Os Normais” também serve como lição, só citando) e não escondem isso um do outro. É por isso que tudo acontece e eles mantêm a certeza de que são loucos um pelo outro. Porque eles sabem quem é o outro. E a gente precisa de uma vez por todas quebrar algumas correntes machistas que existem no mundo gay. Não seja a bicha perfeita, seja você. Permita que o mundo te conheça, não que ele te formate.

Seja louco por você. Disponível no Prime e na Claro.
PS: para quem gosta de crossovers, tem com “Seinfield” e “Friends”!

Por Ezatamentchy