Máxima
Busca
Facebook MáximaTwitter MáximaInstagram MáximaGoogle News Máxima
Saúde e Bem Estar / Autismo no feminino

Autismo no feminino: diagnósticos equivocados podem atrasar o reconhecimento da condição

Médica especialista em autismo explicou porque as mulheres ainda são subdiagnosticadas

Máxima Digital Publicado em 14/12/2022, às 12h30

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Autismo no feminino: diagnósticos equivocados podem atrasar o reconhecimento da condição - Freepik
Autismo no feminino: diagnósticos equivocados podem atrasar o reconhecimento da condição - Freepik

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é caracterizado por sinais que podem se manifestar de formas distintas e variadas. Em mulheres, muitas vezes, as características são mais sutis e podem ser confundidas com outros transtornos ou atribuídas a traços de personalidade. Segundo a médica especialista em autismo, Raquel Del Monde, é necessário um conhecimento aprofundado acerca das particularidades que definem o TEA para enxergar além das aparências.

Mesmo considerando que transtornos do neurodesenvolvimento em geral são mais frequentes no sexo masculino, a proporção de casos de autismo entre meninos e meninas continua sendo alvo de debates. Se no passado a estimativa chegou a ser de dez meninos para cada menina diagnosticada com autismo, em um cenário mais recente, um estudo sueco de metanálise realizado em 2015 aponta para a prevalência de três meninos para uma menina. Ainda assim, o subdiagnóstico em mulheres continua sendo uma realidade.

“Existem evidências de que o funcionamento do cérebro feminino difere do masculino em diversos aspectos, mesmo nas pessoas neurotípicas. Alguns estudos genéticos apontam variações que podem ser significativas já no desenvolvimento embrionário do sistema nervoso central de meninos e meninas e que, provavelmente, estão por trás das diferenças cognitivas observadas entre eles. As mulheres, em geral, tendem a verbalizar mais seus pensamentos e sentimentos e são mais atentas às reações das pessoas à sua volta, o que as torna mais competentes no âmbito da reciprocidade social”, pontuou a especialista.

Resultados obtidos em grupos de treinamento de habilidades sociais envolvendo homens e mulheres autistas sugerem que as mulheres aprendem conceitos com maior rapidez e são mais hábeis em mimetizar expressões faciais, corporais, aspectos da prosódia e da troca social. Portanto, muitas delas aparentam ter boas habilidades sociais graças à sua maior facilidade em compreender aspectos-chave da interação social e da capacidade de copiar comportamentos socialmente desejáveis observando outras pessoas. Essa estratégia adaptativa é conhecida como masking ou “camuflagem”.

Segundo Raquel Del Monde, esta é uma habilidade que mulheres desenvolveram de se sentirem pertencentes nos ambientes que frequentam. “Em relatos publicados por mulheres autistas, muitas revelam que sentiram-se compelidas desde cedo a desenvolver a estratégia de imitar pessoas que percebiam ser bem sucedidas nos relacionamentos sociais, fossem elas pessoas do seu convívio na vida real ou personagens da ficção”, explicou.

Paralelamente às diferenças cognitivas, alguns fatores culturais também contribuem para o melhor desempenho feminino dentro da comunicação social. Os grupos de meninas oferecem mais oportunidades de brincadeiras simbólicas (bonecas, casinha, lojinha, escola) e de modelagem (a partir das amigas que “corrigem” determinado comportamento ou dão “dicas” de como agir nas diversas situações).

Portanto, não é incomum que as dificuldades reais que as meninas apresentam na leitura do contexto social e na elaboração de respostas comportamentais passem despercebidas, até mesmo durante uma avaliação profissional. Falas e atitudes “inadequadas” acabam sendo atribuídas à timidez, falta de malícia, distração, desinteresse, imaturidade emocional, egocentrismo ou “excesso de mimo”.

Os interesses específicos, ou fixações, também podem ser desvalorizados numa avaliação. Muitas meninas no espectro concentram seu interesse no mundo da fantasia (princesas, pôneis, animais em geral), temas que não são estranhos ao universo de outras meninas. Para alguns examinadores, inclusive, esse interesse é interpretado como bom desenvolvimento dos recursos da imaginação e contribui para a exclusão do diagnóstico. Já em mulheres adultas, condições que, com muita frequência, aparecem associadas ao autismo, como a depressão, ansiedade e TOC, acabam sendo aceitas como o diagnóstico final, e não como uma possível comorbidade de algo ainda maior.

Toda essa invisibilidade no diagnóstico de autismo em pessoas do sexo feminino tem seu preço. A melhor percepção das reações de agrado ou desagrado das pessoas à sua volta costuma ser uma grande fonte de estresse. O esforço para camuflar as dificuldades e agir “como esperado” pode ser gigantesco. Mesmo as situações comuns da rotina diária demandam muitas vezes um nível de alerta intenso e constante, grande empenho para se adequar aos diálogos e interações com os pares, além de alto nível de autocontrole para suprimir reações e comportamentos considerados inadequados.

A luta das mulheres autistas por visibilidade tem encorajado outras a buscar avaliação. O diagnóstico é essencial para a identidade desse público, que tem a necessidade de se entender, fazer as pazes consigo mesmas, ter a chance de ressignificar suas vivências e buscar a ajuda que precisam.


Sobre Raquel Del Monde

Raquel Del Monde é uma médica brasileira natural de Limeira, graduada pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP. Ela fez residência pediátrica na UNICAMP e atuou na área clínica por cerca de 15 anos. Entretanto, após ter um filho diagnosticado com TEA, transformou sua carreira na intenção de ajudar outras crianças com desenvolvimento atípico a receberem um diagnóstico adequado. A médica hoje visa ajudar também os adultos e se consolida como uma referência nacional no diagnóstico tardio de autismo.