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Comportamento / Estupro

O que nós podemos aprender sobre estupro em relacionamentos abusivos com o forte relato de Anitta

Em série documental, Anitta revela que foi estuprada aos 14 anos por um rapaz que se relacionava

Bruna Goularte com supervisão de Marina Pastorelli Publicado em 16/12/2020, às 16h01

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O que nós podemos aprender sobre estupro em relacionamentos abusivos com o forte relato de Anitta - Reprodução/ Instagram
O que nós podemos aprender sobre estupro em relacionamentos abusivos com o forte relato de Anitta - Reprodução/ Instagram

Esqueça a ideia de que todos os estupradores são monstros sem identificação. Abusadores possuem rostos, características e histórias - e histórias, muitas vezes, com as próprias vítimas. 

Os dados não deixam mentir. A cada 8 minutos, em 2019, foram 66.123 boletins de ocorrência de estupro e estupro de vulnerável registrados em delegacias de polícia, e a maior parte das vítimas é do sexo feminino - cerca de 85,7%. Em 84,1% dos casos, o criminoso era conhecido da vítima: familiares ou pessoas de confiança. A 14ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública foi divulgada sob o contexto da pandemia da Covid-19 e mostra que mais uma vez as mulheres são vítimas da violência de gênero. Os dados foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseados em informações das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social dos estados.

Alerta gatilho: A partir de agora a matéria tem trechos de relato de estupro.

No primeiro episódio de 'Anitta Made in Honório', da Netflix,  Anitta contou que sofreu um estupro "aos 14 ou 15 anos". A cantora explicou sobre a violência que foi vítima na adolescência.

O forte relato foi exposto pela funkeira em um momento sozinha. Ali, não estava Anitta na frente da câmera. Era Larissa. Longe da personagem poderosa que criou a partir do episódio lamentável. Quase sem olhar para a câmera, ela contou alguns detalhes da noite que viveu com um homem que a manipulou e a forçou a fazer sexo - cometendo o crime de estupro.

“Eu falei que não queria mais, mas ele não me ouviu. Ele não falou nada. Ele só seguiu fazendo o que queria fazer. Quando ele acabou, ele saiu, foi abrir uma cerveja, e eu fiquei olhando para a cama cheia de sangue.”, disse Larissa.

Assim, como o caso dela, muitas pessoas não reconhecem que estão em um relacionamento abusivo. Contudo, alguns sinais são identificáveis. “Toda relação abusiva é caracterizada justamente pelo sofrimento, angústia, medo e desrespeito. Se o relacionamento for marcado pelo controle exacerbado também, certamente é configurado como abusivo. Outra característica comportamental muito grande e intensa é a humilhação. Caso esteja envolvida com uma pessoa e ela te faça passar por algum desses elementos, atenção, você está vivendo em um relacionamento abusivo”, aponta o psicólogo e escritor Alexander Bez, especialista em Relacionamento.

No relato, Anitta falou que tinha medo do estresse do homem que estava com ela e se rendeu às opressões dele por conta disso. Aos 14 anos, ela era muito jovem e segundo o especialista, os adolescentes, geralmente, são inseguros, é difícil alguém nessa idade conseguir se defender dessa ação tão pesada e truculenta.

“O mote dos estupradores é o prazer sádico, humilhação e o sofrimento da vítima, passando do campo psicológico para o físico. É importante que as pessoas estejam atentas às fases de um relacionamento abusivo e se afastem deles antes que aconteça algo nesse nível”, acrescentou.

Para Alexander, a relação abusiva possui 4 fases: Na primeira se apresentam as humilhações, ameaças e o controle. A fase dois é marcada pelas primeiras agressões físicas, o homem vai deixar claro sua posição de poder dentro do relacionamento. Na fase 3 acontece o estupro, a pessoa está tão segura de seu controle sobre a vítima que passa a violá-la até mesmo sexualmente, independente das consequências. E a fase 4 é a determinante e mais cruel, nela acontecem as agressões constantes, levando a vítima à morte. Além dos impactos físicos, as consequências de todo abuso, principalmente o sexual, para uma mulher são as piores possíveis.

Os abusos acabam prejudicando as vítimas tanto no emocional, quanto no psicológico. O estresse agudo leva a algumas vítimas a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, despersonalização e até mesmo dissociação da consciência. Acabam sofrendo com dificuldades para dormir, evitam a vida social e perdem o prazer sexual. É essencial o acompanhamento psicológico após o trauma.

A própria Anitta levou anos para tomar coragem e contar do episódio para a família. Na produção da Netflix, um dos irmãos dela, Renan Machado, revelou que ela pediu que eles não a encarassem enquanto ela relatava o crime.

O trato ao acolher ou alertar uma vítima é essencial. “A conversa deve ser feita de maneira privativa, não entre familiares e amigos. Deve ser orientado com muita paciência e compaixão, pois o grande problema dessa questão é a dependência da vítima com o abusador. Ela não consegue fazer a associação do que será falado com o que está vivendo. Apresentar a ela os pontos negativos da relação sem a discussão é o início de diálogo assertivo. Fazer a vítima entender que existe uma vida muito mais saudável e feliz sem esse relacionamento”, explica Alexander.

Inclusive, o psicólogo reforça que um homem agressivo não muda sua personalidade, faz parte de seu trato psicológico. O agressor não vai mudar porque ama a pessoa, pela esperança na mudança e pelo medo de perder. O que pode mudar é a intensidade da agressão, ela pode ser progressiva, começar com gritos e terminar com tapas. 

A culpa não é das vítimas e o peso que Anitta carregou por anos não é um caso isolado. “Faz muito pouco tempo que eu parei de achar que isso é culpa minha. E eu sempre tive medo do que as pessoas iam falar: 'Como ela pode ter sofrido isso e hoje ser tão sexual, ser tão aberta?'. Eu não sei.”, disse na série documental.

“A culpa acaba sendo reverberada como um processo natural do estupro. A culpa está ligada a vários fatores do trauma, mas também a personalidade e crenças da vítima. É necessário o tratamento com especialista, tratamento esse que irá cuidar da autoestima e todo trato psicológico. Com a ajuda, essa mulher irá compreender que ela não tem culpa e pode desenvolver força para denunciar o caso”, explica Alexandre. Importante frisar que cada vítima lida de um jeito.

Larissa, por exemplo, criou a Anitta. Como surgiu a persona é uma pergunta que Larissa de Macedo Machado precisa escutar há dez anos, desde o início da carreira. Na série, a artista finalmente deu a resposta.

"Para todos vocês que se perguntam de onde nasceu a Anitta, nasceu daí. Da minha vontade e necessidade de ser uma mulher corajosa que nunca ninguém pudesse machucar, que nunca ninguém pudesse fazer chorar, que nunca ninguém pudesse magoar", concluiu a cantora.


SOBRE O Psicólogo e EscritorAlexander Bez

• Especialista em Relacionamentos pela Universidade de Miami (UM)
• Especialista em Ansiedade e Síndrome do Pânico pela Universidade da Califórnia (UCLA)
• Autor dos Livros: Inveja - O Inimigo Oculto (Editora Juruá) / O Que Era Doce Virou Amargo! (Editora Juruá) / O Que Era Doce, Virou Amargo!– Volume 2 (Editora Juruá)/ O Que Era Doce, Virou Amargo! – Volume 3 (Editora Juruá) / A Magia Da Beleza Feminina (Editora Juruá)
• Atua há mais de 23 anos
• Consultor em relacionamentos